Por Leonardo Sakamoto - Jornalista, cientista político, professor na PUC-SP, diretor da Repórter Brasil, colunista do UOL
Um aumento da taxa básica de juros, como o ocorrido quarta (4), funciona como um soco bem dado no fígado dos trabalhadores que adotam o cartão de crédito, o cheque especial e o crédito para negativados como boias de salvação quando o salário vai embora antes do mês acabar. Ou quando ele nem dá o ar da graça.
O Banco Central subiu a taxa de 11,75% para 12,75% por ano, a maior desde fevereiro de 2017. Claro que esses não são os números para os consumidores. Para nós, o céu é o limite.
A trabalhadora olha o mocinho bonito na TV dizendo que este é um ótimo momento para investir o excedente da remuneração em um bom fundo de renda fixa. E pensa que seria mais útil um mocinho que explicasse se é menos pior tirar de um cartão para cobrir outro, ir numa dessas casas de crédito que são agiotagem pura ou tentar de novo convencer os credores a renegociar porque você chegou ao fundo do poço.
Os juros são usados para tentar conter uma inflação que sequestrou boa parte do carrinho de supermercado nos últimos 12 meses, trocando a carne de primeira pela de segunda, a de segunda pelo frango, o frango pelo ovo e, agora, o ovo por vento. E vento cru, claro, porque o óleo de soja e o botijão de gás estão pela hora da morte.
Inflação que mordeu tanto o Auxílio Brasil de R$ 400 que, no caixa do mercado e na barraca da feira, ele parece bem menor.
O duro é que a inflação não apareceu em uma situação de pleno emprego em que os preços sobem porque a procura pelos produtos é alucinante, mas por questões que vão da escassez de matérias-primas no mercado internacional, passando pelo aumento no custo da energia elétrica e dos combustíveis por aqui até alta do preço do dólar - que costuma dar repique toda vez que o presidente insiste em de insinuar golpe de Estado.
Há questões que dependem de cenário externo e outras que poderiam ser contornadas pelo governo federal. Como a questão do preço do petróleo - que impacta no preço de tudo o que precisa ser transportado. Mas, para tanto, seria necessário ter um governo, que negociasse saídas com o Congresso Nacional. Mas o governo preferiu dar carta branca para o centrão torrar bilhões do orçamento a fim de garantir a reeleição de deputados, senadores e do presidente em outubro.
Se um marciano descesse em um disco voador nestes dias acharia que o maior inimigo do país não é a fome, o desemprego, o endividamento, mas uma caixinha de plástico branco, com uma pequena tela e teclas numéricas e um botão verde escrito "confirma". Porque toda a energia do governo é gasta para demonizar a caixinha, bem como as instituições que a protegem.
Além de servir como uma excelente cortina de fumaça para os problemas reais, os ataques à urna eletrônica, mas também ao Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal, vão corroendo a credibilidade das instituições e pavimentando o caminho de um golpe eleitoral, caso o presidente perca em outubro.
A situação da inflação deve melhorar um pouco na época das eleições. Com isso, Jair Bolsonaro vai adotar o discurso que essa melhora foi a prova de que ele venceu a inflação e que precisa de mais quatro anos para fazer o Brasil crescer.
Mas, se os aumentos estarão mais contidos, os preços em si permanecerão em um patamar tão alto que fica imprevisível quantas pessoas vão cair no caô presidencial, esquecer o inferno pelo qual passaram e votar nele.
Quantos milhões carregarão dívidas para a cabine de votação? Dívidas que, até as eleições, terão se transformado em monstros, lembrando que o presidente é corresponsável pelo pesadelo.
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