20/04/2020

Covid-19: Bolsonaro torce para que país nunca saiba número exato de mortos

Por Leonardo Sakamoto - Colunista do UOL

Não sabemos a quantidade de mortos produzida pelo coronavírus em território nacional e talvez nem venhamos a saber - para alívio do presidente da República.

Os 2.347 óbitos registrados até este sábado (18) são apenas um retrato atrasado e imperfeito da situação em que estamos. Se há uma fila de vítimas fatais cujas amostras esperam para serem analisadas, outras tantas nunca vão ostentar em seus atestados a causa real de suas mortes porque não houve coleta pela escassez de testes.

Pesquisadores do Observatório Covid-19 apontaram ao UOL que, na última quarta (15), quando o país registrava oficialmente 1.736 mortes, o número real estaria entre 3.800 (em uma projeção conservadora) e 15.600 (em uma mais pessimista). E o governo de Pernambuco, só para citar um exemplo fora do eixo Rio-São Paulo, ao montar uma força-tarefa para coletar sangue das pessoas mortas por problemas respiratórios, fez a letalidade dar um salto.

A situação, que traz angústia para famílias (que nunca saberão o motivo do falecimento) e desespero a gestores públicos e profissionais de saúde (que estão trabalhando às escuras para tratar pacientes e planejar o enfrentamento da crise), é um alento para Jair Bolsonaro. Pois a narrativa que tenta vender é que o grande inimigo do país não é uma pandemia assassina transmitida por contato social, mas as ações de governadores e prefeitos para reduzir a velocidade de contágio e, portanto, evitar o colapso do sistema de saúde.

Como haverá mais empregos perdidos e negócios fechados do que pessoas mortas, ele aposta na minimização da questão sanitária a fim de garantir que não comecem a lhe servir café frio antes de outubro de 2022.

As hordas de bárbaros que realizam carreatas com buzinaços em frente a hospitais e travam a passagem de ambulâncias, pedindo o retorno à normalidade por decreto (como se o vírus respeitasse o Diário Oficial), provavelmente só se importam com mortos se eles têm seu sobrenome.

Mas a maioria racional da população consegue ponderar dados concretos na balança da vida. Se tivéssemos números de óbitos reais, dificilmente o apoio à quarentena estaria caindo (em duas semanas, foi de 76% para 68%, de acordo com o Datafolha). Por mais duro que seja o impacto econômico deste momento, é difícil ignorar o problema quando ele deixa o anonimato e ganha rosto conhecido.

O sucesso de sua estratégia depende do ruído que consegue provocar nas redes sociais, gerando desinformação, aliado ao silêncio dos atestados de óbito. É feio jogar com os mortos. Mas sorte do presidente que os mortos não falam.

Postado em 20/04/2020 às 21:28

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