Por André Ceciliano -
Deputado e presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
O que diria Adam Smith, o pai da teoria econômica liberal, diante da situação da humanidade frente ao estrago causado na economia global pelo coronavírus? A “mão invisível do mercado” seria capaz de dar conta do problema? É claro que não. O mercado não se importa com pessoas. A sua lógica será sempre a do lucro. Sem a mão visível do Estado, será o caos.
É esse debate que está por trás do embate entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores por conta das medidas de quarentena adotadas nos estados e municípios – regras, diga-se de passagem, tomadas em todo o mundo, seguindo a orientação da OMS, até por quem em princípio resistiu a elas, como o Reino Unido. Os estados pedem dinheiro. O governo resiste a dar, de olho no aumento do déficit fiscal.
Temos um presidente que minimiza o problema e acha que as taxas de letalidade da pandemia são baixas para justificar uma recessão econômica. O empresário dono de uma cadeia que vende um hambúrguer a 60 reais definiu bem esse pensamento: “O Brasil não pode parar por causa de 5 ou 7 mil mortes”, disse.
Vivemos uma situação de saúde pública como não se viu desde a Gripe Espanhola, há um século, quando 500 milhões de pessoas (um quarto da população mundial na época) foram infectadas, das quais 100 milhões morreram. Isso decerto não acontecerá desta vez porque a ciência evoluiu, e as condições de higiene melhoraram, de um modo geral, no planeta. Tomara Deus que em breve os esforços dos cientistas resultem na descoberta de um remédio ou uma vacina contra essa doença, como na pandemia do H1N1, em 2009.
Do ponto de vista econômico, porém, não restam mais dúvidas: o mundo viverá uma segunda Grande Depressão.
Em 1929, quando a Bolsa de Valores de Nova York colapsou, os Estados Unidos e o mundo foram à bancarrota. Por algum tempo, os EUA tentaram que o próprio mercado desse um jeito na confusão, sem sucesso. A fome só crescia, o desemprego não cessava, a violência grassava.
Foi quando, em 1933, assumiu a presidência dos Estados Unidos um líder que mancava de uma perna, consequência da poliomielite que o acometeu quando criança. Franklin Roosevelt deu uma banana para o pensamento liberal de Adam Smith dominante na América e implantou o New Deal (Novo Acordo, em inglês). O Estado investiu pesado em infraestrutura (gerando milhares de empregos), criou linhas de crédito, sobretudo para pequenas e médias empresas, instituiu o salário mínimo e o salário-desemprego. O bom resultado dessa política está registrado na História.
O Brasil tem que fazer o mesmo. Pequenos e médios empresários, que respondem por 70% dos empregos do país, têm que ser apoiados nestes três meses, tempo que os médicos acreditam que durará a crise caso as medidas de contenção que estão recomendando sejam respeitadas neste momento.
Os autônomos necessitam o quanto antes de ter garantida uma renda mínima para não passarem fome e pagarem seus compromissos. Enquanto as escolas públicas permanecerem fechadas, as cozinhas devem funcionar produzindo quentinhas para as famílias terem o que comer.
O governo federal, que concentra nada menos que 60% de todos os impostos pagos no Brasil, precisa auxiliar os estados e municípios, cuja situação financeira já era terrível antes da crise, e vai piorar com a queda na arrecadação. No caso do Rio, pior, já que agravada pela baixa nos preços do barril do petróleo. Em breve, poderá faltar dinheiro até para pagar ao funcionalismo.
As reservas do Brasil em moeda estrangeira somavam US$ 367,3 bilhões em março. O lucro de 2019 dos três maiores bancos brasileiros, somados, foi de R$ 62, 2 bilhões. Dinheiro não falta. Temos, em última instância, a Casa da Moeda, que produz papel. O dinheiro é uma criação do homem. Vidas, uma dádiva de Deus. É hora de dar uma banana para os economistas de Chicago que acham que a mão invisível do mercado tudo resolve e nos guiar pelos ensinamentos da História.
Postado em 29/03/2020 às 20:00 - Artigo publicado originalmente no jornal O Globo (28/03)