Por Leonardo Sakamoto, do blog do Sakamoto
Apenas um desastre de proporções bíblicas impedirá a aprovação do texto-base da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. Com exceção de eventos naturais como terremoto, chuva de meteoritos e uma invasão alienígena na capital federal, a única tragédia causada pelo ser humano capaz de interromper esse processo seria o presidente da República abrir sua boca para dizer o que pensa. As questões, portanto, não são mais se ela passará após ser colocada em votação, mas quantos bilhões de reais o governo Bolsonaro vai gastar em emendas parlamentares para "comprá-la" e se os vendedores realmente confiarão que o governo quitará os débitos após a mercadoria ser entregue.
Sem entrar no mérito da Reforma da Previdência, apenas os seguidores mais fiéis do presidente, aqueles que acham que o Queiroz é honesto, não enxergam que o Palácio do Planalto deixou claro que sua "nova política" inclui o estabelecimento de um mercado de compra de votos de deputados. A diferença é que, no seu caso, há o amplo uso da dissimulada tática bolsonarista de simplesmente negar aquilo que está a olho vistos, afirmando que tal acusação é uma balbúrdia esquerdopata lulodilmista, gestada pelo Foro de São Paulo, com petrodólares venezuelanos, para desestabilizar o processo de despetização da economia brasileira.
O problema é que uma feira livre de deputados não combina muito com a figura de um comprador cuja palavra não tem credibilidade, um comprador que se fosse avaliado por um aplicativo de transporte ostentaria apenas uma estrelinha em uma escala de cinco. Isso leva a uma nonsense situação em que, para ir à votação, a matéria precisa de uma espécie de "hedge", uma cobertura de proteção ao risco, para que vendedores não fiquem na mão após entregarem a mercadoria. Por exemplo, discute-se formas do Senado Federal travar o início do trâmite na casa revisora até que os valores em emendas sejam devidamente pagos às bases eleitorais.
A solicitação e liberação de emendas para atender demandas justas da população faz parte da democracia. O problema é quando o processo de sua liberação inclui tomaladacás, o que foi o caso de todos os governos até aqui, incluindo este.
Bolsonaro prometeu um faz-me-rir de R$ 10 milhões em emendas para os deputados votarem a favor da reforma no primeiro turno e outro, no mesmo valor, após o segundo turno. As alas fisiológicas da Câmara dos Deputados pediram mais, pois sabem que vão precisar instalar um posto novo de saúde, uma escola técnica, o asfaltamento de uma vicinal para que os eleitores mais pobres esqueçam que ele votou a favor de um tempo mínimo de contribuição de 20 anos para homens e pela possibilidade de se pagar pensão de menos que um salário mínimo para viúvas e órfãos. Sem isso, adeus projeto Prefeito 2020 ou mesmo Reeleição 2022.
O PSOL acusa o governo Bolsonaro de liberar R$ 444,5 milhões a mais em emendas parlamentares do que havia sido autorizado por conta da votação da Reforma da Previdência. "Isso é completamente ilegal. Estamos entrando com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal", afirmou o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) ao blog. "No intuito de comprar votos para aprovar a reforma, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade."
Nota do partido, diz que a Comissão de Seguridade Social aprovou duas emendas, uma de R$ 602 milhões e outra de R$ 2 milhões, mas o governo liberou R$ 652.629.444,00 e R$ 395.884.450,00 pelas mesmas emendas sem que a mudança tenha recebido autorização expressa do Poder Legislativo, como manda a lei. Ou seja, um valor R$ 444.513.894,00 maior, segundo cálculos do partido. Por lei, o governo pode executar uma emenda na sua totalidade, mas não pode extrapolar o valor autorizado pelo Legislativo. Ou seja, o governo "pedalou" em nome da reforma.
O país precisa de uma reforma no sistema de aposentadorias, mas em um contexto que transbordasse democracia, não fisiologismo. De uma coisa Jair Bolsonaro não poderá nunca ser acusado, contudo: de não ser transparente, pois – em seu governo – muita coisa acontece a céu aberto. E isso não significa apenas a lavação de roupa suja do presidente quebrando o pau com seus ministros através do Twitter, mas inclui o "convencimento" de parlamentares para votarem a favor da reforma. Se ele estivesse comprando votos por políticas de distribuição de renda, seria um escândalo de proporções universais. Mas como ele está fazendo o que uma parte do poder econômico deseja, um relativo silêncio.
Bolsonaro deveria inovar e fazer uma live mostrando que, com o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos, há um espírito patriótico que toca os corações dos parlamentares, diminuindo os custos dos votos. Ao final, o presidente poderia garantir transparência total, fazer as contas e tuitar – com orgulho – que sua Reforma da Previdência saiu mais barata que a Reforma Trabalhista, de Michel Temer.
Postado em 10/07/2019 às 14:33 - Foto: Ueslei Marcelino/Reuters