Amizade verdadeira ou virtual?
Por Juciano de Sousa Lacerda - docente do mestrado em Estudos da Mídia da UFRN
Para o pesquisador norte-americano Nicholas Negroponte, idealizador do programa “Um laptop por criança” e autor de “A vida digital”, a expressão “realidade virtual” seria um oximoro, ou seja, uma afirmação que contém dois opostos ou sua própria contradição. Afinal, o que é real pode ser virtual?
Bom, antes de responder a esta pergunta, vamos trazer uma lembrança: neste dia 20 de julho comemoramos o “Dia da Amizade”. Até o início dos anos 1990, a palavra amizade sempre esteve ancorada no adjetivo “verdadeira”, pois ou se era amigo de “verdade”, sem aspas, portanto, ou não se era. Na expressão amigo de verdade não cabia aspas, para não se ter nenhuma chance de duplo “sentido”. Ora, com o advento da Internet, na primeira metade dos anos 1990, o mundo se tornou altamente conectado em redes de informação. Desta feita, vimos que a palavra “amizade” na rede mundial de computadores encontrou outro adjetivo para sua companhia: o “virtual”. Seria um outro oximoro: “Amizade virtual”? É possível fazer valer o “Dia da Amizade” com um amigo virtual?
Pierre Lévy, profeta da Cibercultura, aponta três caminhos para se entender o virtual. O primeiro caminho é o do senso comum, que atribui ao virtual o sentido de “falso”, “irreal”, “ilusório” ou “simulacro”, como diria outro francês Jean Baudrillard.
O segundo caminho vem da filosofia, que define virtual como “aquilo que existe apenas em potência não em ato”, ou seja, existe, é real, mas precisa ser atualizado, se fazer presente. Por exemplo, uma semente, potencialmente (virtualmente), pode vir a ser árvore.
Por fim, do ponto de vista tecnológico, Lévy define o virtual como “toda entidade ‘desterritorializada’, capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular”. Ou seja, o virtual pode estar aqui ou potencialmente em qualquer lugar em que venha ser atualizado, tornado visível, concreto, através das redes de comunicação digital.
Complicou? Bom, as amizades também podem ser complicadas, principalmente, as virtuais. Consideremos, portanto, que o virtual é uma realidade: existe sem estar presente, está em potência. Vamos tomar a bela definição de Gilles Deleuze: “a atualização do virtual é a singularidade, ao passo que o próprio atual é a individualidade constituída”.
Por exemplo, a árvore, na primavera, está com as folhas bem verdes e brilhantes, mas carrega em si a possibilidade das folhas mudarem de cor, de singularidade: verde-amarronzadas no outono e acinzentadas no inverno. Ou seja, a individualidade constituída é o que ela é, naquele momento: folhas verdes brilhantes. O verde-amarronzado e a cor acinzentada são, portanto, singularidades, ou seja, são características relativas à folha, embora não se encontrem na forma atual, logo são virtualidades da folha enquanto se mantém a primavera.
Por comparação, as amizades virtuais também são reais, concretas, podem ser experimentadas, sentidas e vivenciadas. A diferença é que sua materialidade e as maneiras singulares como elas se manifestam são distintas das amizades ditas “verdadeiras” porque presenciais (face a face).
Num dia, a amizade virtual pode nos parecer mais verde cintilante, noutro dia ter um tom mais amarronzado e noutros, quase perder a cor. Podem ser escorregadias, fugidias, efêmeras, mas nos momentos em que se atualizam, tornam-se visíveis e presentes em nossas telas, tornam-se presentes em nossas vidas, são intensas e fulgurantes como um raio. Fazem-se valer a pena.
Portanto, para que a vida não seja pequena é preciso cultivar todos os tipos de amizade, sejam “verdadeiras” sejam “virtuais”, pois cada uma delas tem a sua singularidade e fazem-nos sentir a vida pulsar.
Postado em 20/07/2014 às 12:00 - Artigo publicado originalmente na Tribuna do Norte
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