08/06/2014

ARTIGO

Lições da Copa e a educação brasileira

Por Cláudia Santa RosaEducadora e Diretora Executiva do Instituto de Desenvolvimento da Educação – IDE

O meu respeito aos que pensam diferente, mas entendo que já não estamos mais no momento para protestos que promovam intranquilidade na realização da Copa no Brasil. O tempo exauriu-se, ficou lá atrás. Eles teriam sido oportunos quando da candidatura do país ou mesmo à época do anúncio oficial feito pela Federação Internacional de Futebol Associados (FIFA). Agora é tempo de se apurar perdas e ganhos, de reunir os cacos e não fazer tão feio aos olhos atentos do planeta. Junto-me aos que torcem para que seja um campeonato marcado pelo equilíbrio e pela harmonia entre todos.

Porém, não confundam esse meu posicionamento com apatia. Antes pelo contrário, enxergo que serão inevitáveis as lições dessa Copa. A ideia de “Padrão FIFA”, talvez seja a principal delas. A partir das manifestações de junho de 2013, de norte a sul do país, as pessoas passaram a reivindicar serviços públicos essenciais com a qualidade e prontidão que a poderosa FIFA impôs ao governo brasileiro para as obras ligadas ao campeonato.

Em detrimento do que deveria ser fundamental para o país, recursos públicos e privados foram viabilizados para as obras, muitas delas até o momento inacabadas. Estádios foram erguidos ou adaptados, aeroportos, túneis, viadutos (...) construídos, cidades decoradas para o evento, muitos shows contratados e publicidade, muita publicidade. Para alguns, tudo feito em nome do turismo e do desenvolvimento das cidades que serão sedes de pelo menos quatro jogos. Com isso, uma segunda lição importante: quando se prioriza o dinheiro aparece.

Diante de tal cenário, a educação do povo torna-se tarefa das mais preciosas. Falo, inclusive, da educação política, aquela que não permite silenciar quando a realidade requer transformação. O Brasil da Copa é o mesmo que demanda qualidade, agilidade, eficácia e eficiência na oferta, por exemplo, de educação, saúde e segurança pública.

O Brasil da Copa também é o mesmo que aguarda a sanção presidencial do Plano Nacional de Educação (PNE), projeto que tramitava no congresso nacional desde o final do ano de 2010. Organizado em 20 metas, o PNE define que, em até dez anos, o país deverá investir, no mínimo, 10% do PIB na área. Deste modo, concretizando-se, uma das sete condições que julgo fundamentais para a qualidade da educação brasileira já fica garantida.

Longe de se resolver o problema da educação brasileira com o financiamento adequado, acrescento mais seis ideias que precisam ser fortemente observadas: planejamento; gestão competente; combate à corrupção; cumprimento das leis; cooperação entre os poderes e entre a união, estados e municípios; e participação popular.

É preciso sim de mais recursos para a Educação e é ótimo atingirmos o patamar de 10% do PIB, uma revolução! O desafio será as secretarias de educação e as escolas aprenderem a planejar para uma execução com foco em resultados a serem cuidadosamente avaliados. Isso requer a profissionalização da gestão e nenhum espaço para amadorismos, trocas de favores, descontinuidades, tampouco para a visão romântica de que gestão democrática se faz por meio de eleições diretas para gestores das escolas. Selecione-se, via concurso público, diretores para as escolas e que se fortaleça os conselhos escolares, pois estes sim têm que garantir a gestão democrática.

Avançar no financiamento sem aperfeiçoar os dispositivos de combate à corrupção é como nutrir uma indústria secular que nos impõe vergonha e perpetua injustiças, mediante a oferta de uma escola de quinta categoria que atende a 85% da população. Igualmente importante é garantir o cumprimento da legislação. A escola sofre ou tira proveito da falta de clareza sobre normativas que preservem os direitos dos alunos e o funcionamento da mesma com regularidade.

Ressalto: já não é aceitável que os poderes constituídos, assim como o Ministério Público e o Tribunal de Contas, atuem de forma isolada, retardando ou negligenciando naquilo que interfere à qualidade da educação, representada pelas aprendizagens de crianças e jovens na época apropriada. Urge que a autonomia de cada um não sirva de justificativa para alimentar obstáculos que retardam decisões, procedimentos e providências que tenham por fim favorecer os que estão nas escolas. Do mesmo modo, união, estados e municípios precisam assumir as etapas de escolaridade da competência de cada um. No Brasil, inexplicavelmente, governos das três esferas investem no ensino superior, quando a educação básica é precária e tem etapas ainda distantes da universalização.

É de se esperar que a participação popular, voltada para o controle social, seja exercida por organizações, distintos movimentos, veículos de comunicação e por cada cidadão, individualmente. É o que espero que seja fortalecido depois da Copa, consubstanciado por toda indignação que tem mobilizado protestos e até os reprováveis atos de vandalismo. Que o sentimento de cidadania não resfrie passados os próximos 40 dias.

Postado em 08/06/2014 às 21:00

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