CRER OU NÃO CRER, EIS A
QUESTÃO!
Por Públio José – jornalista
Um dos personagens de Shakespeare, contagiado pelo conteúdo
filosófico que entremeia a obra do respeitável autor, sentenciou: “ser ou não
ser, eis a questão”. Você conhece a frase, não é verdade? A partir dessa bela e
sonora construção verbal, o mundo não foi mais o mesmo. Centenas e centenas de
estudos, teses, trabalhos acadêmicos de toda ordem, encenações teatrais e
cinematográficas foram centradas na tal afirmação. Sábios e filósofos gastaram
horas e horas de seu tempo – e muita massa encefálica – para refletir, deduzir,
aduzir e tentar concluir sobre tão profundo pensamento. Da África a Oceania, do
Oriente ao Ocidente, do Oiapoque ao Chuí, nos mais diferentes rincões do
planeta a afirmação shakespeariana ricocheteou na alma humana feito relâmpago
riscando os céus, adentrando e queimando o intelecto dos homens, incomodando-os
e transformando-se em um grande enigma.
Confesso que nunca parei para refletir com profundidade a
respeito do seu conteúdo. Mas, de certo tempo para cá, diante da fragilidade
dos conceitos produzidos pelo homem, diante da nossa pequenez em relação à
grandeza que nos cerca, diante do grande número de perguntas, a grande maioria
delas sem respostas, comecei a matutar sobre a questão. O que quis dizer o
personagem, além do contexto do diálogo teatral em si? Será que a frase
transcende ao seu tempo? Ou será que o conteúdo da frase está circunscrito ao
período vivido pelos personagens? Aparentemente a frase é enigmática,
misteriosa, profunda. Mas, afinal, para que serve o “ser ou não ser, eis a
questão?” Ser o quê? Ou não ser o quê? Másculo, sabido, inteligente, dominador,
ditatorial, sedutor, encantador, viril, político, competente, ter escrúpulo –
ou não ter? Ser rico, pobre, articulador, bem sucedido, bonito, feio,
conquistador?
Ou será que o personagem debatia-se, já naquele tempo, diante
do conflito de conviver com a dura realidade do ter
ou não ter, eis a questão? Como se sabe, o ser humano é
cíclico. Cíclico no ódio que nutre por alguém, cíclico nos ciclos econômicos,
políticos, sociais. O odiado de ontem é o idolatrado de hoje – e vice versa. As
grandes verdades de outrora não são hoje tão verdadeiras assim. As grandes
sentenças, inclusive do ponto de vista jurídico, sofrem contínuas modificações,
atualizações e revisões. A Terra já foi tida como quadrada e o louco do Galileu
quase que dança na fogueira da (santa?) Inquisição quando apresentou uma
verdade diferente. Até a Medicina também cria e curte seus ciclos, apesar de
trabalhar com a vida humana, matéria prima tão cara a todos nós. Os celebrados
regimes e dietas de vinte anos atrás hoje são menosprezados e até evitados,
enquanto novas fórmulas mágicas se sucedem apregoando uma nova verdade. Sacou
como somos cíclicos, sazonais, inconstantes, periódicos?
Ultimamente tenho lido e ouvido os grandes arautos afirmarem
que o homem
é o que crê. Nos cursos de auto-ajuda, em seminários de motivação, nas
empresas principalmente, a pregação agora gira em torno da necessidade de
levantar sua auto-estima. “Você é grande” berra o novo atalaia; “você pode”
esgrima o grande profissional desse emergente mercado. Agora, com esse novo
ciclo, temos três realidades distintas a analisar: a turma que defende o ter
ou não ter, eis a questão; os que, sonhadoramente, continuam
a se inclinar sobre a máxima shakespeariana do ser
ou não ser, eis a questão; e os que travam uma batalha
contemporânea bastante intensa para fixarem na mente popular que a vantagem está
no crer
ou não crer, eis a questão. E agora, qual a sua opção? Você é
pelo que tem, você é pelo que é ou você é pelo que crê?
Tudo isso, aparentemente, pode até ser visto como uma questão
banal, mas na verdade a escolha representa uma grande diferença na sua
qualidade de vida. O ter é
a celebração do materialismo, do consumismo, do egoísmo, de uma concepção de
vida baseada na concorrência exacerbada, no ganhar – sempre. O ser é
o caminho que lhe leva a concentrar todas as suas ações no seu próprio eu. “Eu
sou bom”, “eu sou caridoso”, “eu sou isso”, “eu sou aquilo”... Já o crer é a construção de uma vida lastreada na
existência de um Ser superior, um Deus que, pela fé, se revela amoroso,
redentor, maior do que você, maior do que os seus problemas e com quem você
convive, se quiser, em perfeita harmonia – para vantagem sua. Porque quando o
homem não entende um processo, um fenômeno vem o conflito interior, a angústia,
a grande indagação. Nessas horas o ter pouco
adianta, o ser pouco
esclarece, enquanto o crer acalenta,
tranqüiliza, revigora, fortalece – e explica. Eu já decidi: no crer reside
a grande diferença. Vai embarcar nessa também?
Postado em 10/02/2013 às 12:00
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